domingo, 15 de novembro de 2015

Do Carapeto ao carrapito

Por vezes é difícil encontrar a origem das palavras, porque a relação entre as coisas que elas representam e o nome que usamos para as designar é tudo menos evidente. Assim, mesmo procurando cuidadosamente nas línguas que originaram o português atual, muitas vezes não se consegue perceber a origem de algumas palavas, a menos que seja possível encontrar a relação que criou o nome. Estão neste caso as palavras como “carapeto” e “carrapito”, de que falaremos em seguida. Vale a pena começar pela palavra “Carapeto” enquanto topónimo, já que foi por esse estudo que encontramos a ponta do “fio da meada”, mas antes vejamos os diversos significados da palavra “carapeto”.
As palavras deste grupo podem ter vários significados, todos eles explicáveis a partir de uma origem fenícia. No que respeita à palavra “carapeteiro”, quando o termo que significa “mentiroso”, pode dizer-se que a palavra resulta da justaposição de dois radicais fenícios – “qr’” e “pth” – que de resto deram origem a outras palavras do português ainda em uso. O termo fenício “qr’” significa “cara”, e veio precisamente a dar origem à nossa palavra “cara”; o termo também fenício “pth” significa “deixar-se enganar”, e deu origem à nossa palavra “peta” (mentira, engano, aldrabice). Portanto percebe-se facilmente que o “qr’pth” fenício esteja na origem do nosso “carapeteiro” com o significado de “mentiroso”. No entanto está bom de ver que este conceito, por muito importante que possa ser na vida social de uma comunidade, não reúne as condições para que se possa transformar em topónimo.
 Há palavras da mesma família potencialmente relacionadas com toponímia, entre as quais está o termo “carapeto” quando significa “espinheiro bravo”, “pereira brava”, e “espinho” ou “plana espinhosa”. Há na toponímia um grande número de sítios com nomes que devem ter a mesma origem, como sejam “Carrapeto”, “Carapeto”, “Carapeteiro”, “Carrapatosa”, “Carrapato”, “Carrapateira”, etc., termos que tiveram com toda a certeza a mesma origem, mas evoluções fonéticas ligeiramente divergentes. A origem dos termos que ocorrem na toponímia é bem distinta da anterior, e deve-se à evolução de “Krpt”, termo fenício que significa genericamente “curral de cordeiros” (“Kr” é um termo ugarítico e hebraico antigo que significa “cordeiro, borrego” e “Rpt” significa em hebraico antigo “curral, estábulo”).
Portanto, Carapeto, Carapeteira, Carrapateira, Carapito, etc. terão sido locais onde havia currais, ou melhor, comunidades de pastores, e a palavra, como se viu, deve ter nascido do fenício precisamente de “Krrpt”, que significa à letra “curral de cordeiros”. A relação entre o “curral” e a pereira brava, o espinheiro ou mesmo o espinho, não é imediata e tem que ser deduzida.
Os abrigos para animais mais antigos que o Homem construiu terão sido certamente feitos criando de cercas de arbustos espinhosos, como de resto ainda acontece em algumas regiões de África. É claro que cercas feitas para proteger os gados de predadores e de roubos, construídas com arbustos espinhosos, não deixam vestígio arqueológico, sendo por isso impossível demonstrar a relação entre o topónimo e a antiga atividade, mas julgamos que a analogia com práticas que sobreviveram até aos nossos dias dão crédito à ideia.
Ora, se os recintos assim construídos eram conhecidos por “carapeto”, e se hoje em dia chamamos “carapeto” aos arbustos espinhosos como a pereira brava e o espinheiro bravo (ou pilriteiro), é fácil admitir que o nome dado ao recinto tenha contaminado os arbustos espinhosos com os quais eram construídos os próprios recintos. Mas o nome que contaminou os arbustos espinhosos acabou por ser aplicado também aos próprios espinhos, e por isso se usa hoje a palavra “carapeto” como sinónimo de “espinho".
Mas curiosamente esta relação carapeto/espinho não ficou por aqui. Um espinho, agora chamado de “carapeto”, era usado para prender o cabelo quando se enrolava em forma daquilo que hoje chamamos “carrapito”. A relação é óbvia. Agora o espinho chamado de “carapeto” dava o nome a um penteado. Com o tempo ao cabelo enrolado daquele modo passou a chamar-se carrapito, fosse ou não o cabelo preso com um espinho. Hoje o carrapito pode ser preso com ganchos, com fitas, com elásticos… e raramente com algo em forma de espinho.
O nome “carrapito” é afinal resultado de uma longa evolução que começa no cercado de plantas espinhosas onde se guardava o gado, passa a designar os arbustos espinhosos e os seus espinhos, e finalmente vai ser aplicado ao espinho que prendia o cabelo e finalmente ao próprio cabelo enrolado.  

A língua tem destas coisas…