sábado, 27 de dezembro de 2014

UM MONTE ALEGRE OU UM MARCO NA COLINA?

Já repararam que na toponímia a palavra “alegre” vem quase sempre acompanhada da sílaba “ta” ou “te”, ou seja, inclui sempre ou quase sempre a forma “talegre” ou a forma “alegrete”? Reparem: “Vista Alegre” (vis talegre), “Montalegre” ou “Monte Alegre” (mon talegre), “Quinta Alegre” (quin talegre) e o próprio topónimo “Talegre”, … Coincidência interessante, não é? Pois, mas vamos analisar o assunto com mais detalhe.




Folha n.º 223 da Carta Militar de Portugal

Comecemos pela palavra “talegre”. “Talegre” é a designação popular de “marco geodésico”[1], ou seja, é a designação de marco situado no alto de uma elevação. Agora repare-se que “Tl” é em ugarítico “outeiro, colina” (e “têlu”, “tellu” ou “tillu” são palavras que também significam “colina” em acádio e assírio). Por outro lado “igr” significa “marco de pedra”. Portanto em fenício “tligr” significa exatamente o mesmo que “talegre” em português: “marco de pedra na colina”. Interessante, não?

Fl. 546 da Carta Militar de Portugal

Mais interessante ainda é perceber que o nosso “monte” (no sentido de “monte alentejano”) é o termo de origem fenícia que significa precisamente o mesmo que a “herdade” de origem latina, ou seja, “herança”, “a parte que se herdou”. Assim o nosso “Montalegre” deve corresponder a um marco que assinalava o limite de uma propriedade herdada (de uma herdade, se preferirem). Por isso há dezenas de locais chamados de “Montalegre” o u “Monte Alegre”.
Quanto ao “Portalegre” e “Quinta Alegre” são topónimos que ocorrem raras vezes, não sendo por isso relacioná-los com características geográficas do território. Contudo, em fenício, a palavra “kinu” significa “quinta” (mais exatamente “jardim, horta, parque”), portanto a nossa “Quinta Alegre” pode provir de “kinu tligr”, com o significado de “quinta do marco de pedra”. Quanto a “Portalegre”, a palavra associa dois topónimos muito comuns: “portela” e “talegre”. Em comum têm o radical fenício “tel”, que como se viu corresponde à ideia de “colina”. “Portela” significa em fenício “romper as colinas” e “talegre” é, como se viu “Marco de pedra da colina”. Assim “Portalegre” deve ter significado originalmente “marco de pedra de romper a colina”.
Então, e os “Vista Alegre”? Não será absolutamente seguro, mas este “Vista Alegre” que existe na toponímia em grande número (em Portugal, mas também em Espanha) deve ter nascido de um antigo “vit tligr”. Este “vit” dos nossos avós pode ter tido um significado genérico de “construção”, já que o mesmo aplicava-se nas antigas línguas do Médio Oriente tanto a “templo”, como a “palácio” e “casa”. Há uma característica muito interessante e comum à maior parte dos locais que se chamam “Vista Alegre”, e que é serem locais urbanos. Ao contrário de muitos outros topónimos que ocorrem sempre ou quase sempre em espaços rurais (e são à centenas ou milhares), estes “Vista Alegre”, tanto em Portugal como em Espanha (com exceções) ocorre em áreas urbanas.
Outra característica significativa é que este topónimo “Vista Alegre” só muito raramente ser nome dado a uma região. De facto das dezenas de topónimos “Vista Alegre” que existem em Portugal continental e Açores, em Espanha e mesmo no Brasil e em Angola, só conheço um que corresponde à designação genérica de uma região. Este facto normalmente relaciona-se com topónimos relativamente recentes. Repare-se que por exemplo, pelo contrário, no que se refere ao topónimo “Talegre”, quatro dos oito existentes em Portugal, são nomes dados a regiões, o que atesta a sua antiguidade.
Sendo assim parece de aceitar que inicialmente o topónimo “Vista Alegre” tenha designado um edifício notável, mas que com o correr dos anos tenha servido para nomear outros locais (em especial nas antigas colónias).
Parece claro que este grupo de topónimos que incluem a palavra “alegre”, pelo menos em grande parte dos casos deve ter nascido de “talege” com o significado de “marco de pedra da colina” e não de qualquer fenómeno relacionado com alegria.



[1] Um vértice geodésico é um sinal que indica uma posição cartográfica exata e que forma parte de uma rede de triângulos com outros vértices geodésicos. São escolhidos sítios altos e isolados, com linha de visão para outros vértices

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