sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Dias da semana



OS DIAS DA SEMANA E A SUA ORIGEM

Diz-se que S. Marinho de Braga (ou de Dume) foi responsável pela mudança do nome que damos aos dias da semana, passando da designação latina para uma outra criada pelo próprio. 
O “mui sábio” conhecimento oficialmente aceite diz, e o que o vulgo reproduz: 

“Martinho de Dume é também uma figura de capital importância para a história da cultura e língua portuguesas; de facto, considerando indigno de bons cristãos que se continuasse a chamar os dias da semana pelos nomes latinos pagãos de Lunae dies, Martis dies, Mercurii dies, Jovis dies, Veneris dies, Saturni dies e Solis dies, foi o primeiro a usar a terminologia eclesiástica para os designar (Feria secunda, Feria tertia, Feria quarta, Feria quinta, Feria sexta, Sabbatum, Dominica Dies), donde os modernos dias em língua portuguesa (segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo), caso único entre as línguas novilatinas, dado ter sido a única a substituir inteiramente a terminologia pagã pela terminologia cristã.”

http://pt.wikipedia.org/wiki/Martinho_de_Braga

Evidentemente que não será difícil perceber que, se o problema era a antipatia para com os romanos pagãos, e por isso se queria acabar com os seus nomes em latim, não se iam trocar os dias da semana em latim por outros dias da semana também em latim. Por outro lado, sabe-se bem que a igreja católica depois de se ter tornado religião oficial do império, nunca teve qualquer antipatia para com Roma ou para com o latim, e pelo contrário foi a mais importante fonte de afirmação e difusão da língua latina e da sua cultura.
Se o nome que damos aos dias da semana, embora provenientes do latim, não é de inspiração latina, de onde provém? Vejamos

Número
Dia
Hebraico
Nome em latino
Nome latino
usado entre nós
Nomes fenícios e significado
1
domingo
Yom Rishon
Solis dies
Dominica Dies
R’šwn (heb.) primeiro, primeira vez
2
segunda-feira
Yom Sheni
Lunae dies
Feria secunda
Šina (em acádio) dois
Šnim (heb.) dois
3
terça-feira
Yom Shlishi
Martis dies
Feria tertia
Šalšu (assírio) três
Šalaš (acádio) três
Šliši (heb.) terceiro, terceira vez
4
quarta-feira
Yom Reviʻi
Mercurii dies
Feria quarta
Rebu (acad.) quatro
Rb (ugar.) um quarto, quadruplicar
Rboi (heb.) quarto
5
quinta-feira
Yom Ḥamishi
Jovis dies
Feria quinta
ḥmš (heb.) cinco, quinto, quinta parte
ĥamiš (acádio) cinco
6
sexta-feira
Yom Shishi
Veneris dies
Feria sexta
Šeššu (acádio) seis
Šèš (heb.) seis
ṯṯ (ugar.) seis
7
sábado
Shabat
Saturni dies
Sabbatum
Šb’ (Ugar.) sete
Šabat (heb.) sábado (dia de descanso)

Percebe-se assim que a ideia de atribuir o nome aos dias da semana em função da sua ordenação ao longo da mesma semana não foi um ato de criatividade do bispo Martinho de Dume, mas antes a tradução para latim da lógica pré-existente entre a população local (falante de uma língua a que podemos chamar “fenício”). Isto evidentemente no que se refere aos dias entre segunda e sexta, porque em relação aos que hoje constituem o fim-de-semana, a história é outra. O nosso sábado, tal como o próprio “sabbatum” romano, nascem do conceito fenício de sete, sétimo, que na cultura hebraica é o dia de descanso. Não sabemos se em outros povos contemporâneos dos antigos hebreus da mesma região o sétimo dia da semana já era dia de descanso, mas a raiz “sete” é semelhante. Quanto ao dia de descanso, a igreja católica deslocou-o para o domingo, desde logo para criar distanciamento entre as antigas e a nova religião. A palavra “domingo” em si, que se afirma ter nascido do termo latino “domínicus”, que significa “o que pertence ao senhor, ou a Deus”, e que passou a ser aplicado ao dia de culto, possivelmente resulta da confluência do dito "dominicus" latino com termos da língua popular. Repare que em "fenício" (no caso hebraico antigo) “dômi” ou “dômih” significa “descanso”, “dômim”, é “sossego”, e “igiø” quer dizer “trabalho, labor”. Portanto "dômimigio" (ou uma forma foneticamente próxima) será "descansar do trabalho". A confluência fonética e semântica é, verifico eu, um processo comum de evolução quando duas línguas são conduzidas à fusão. Como que naturalmente se procura um "compromisso" entre as duas línguas, de forma a que uma mesma palavra possa ser usada pelos falantes de ambas as línguas e permita a comunicação: signifique o que significar, domingo é aquele dia em que se não trabalha e em que se celebra o culto. Para uns será o dia de descanso, para outros o dia do Senhor, mas a comunicação é possível porque se está a falar da mesma entidade.
Por último a nossa “feira” dos dias da semana. Porquê a segunda “feira”? Diz-se geralmente que esta “feira” tem origem no “feria” latino que genericamente quer dizer “dia feriado, dia de festa”. Mas isso parece pouco lógico. Por que motivo se deveria classificar de “dia feriado” cada um dos dias da semana reservados ao trabalho? Penso que não é possível ter certezas sobre este assunto mas parece-me mais provável que a nossa “feira” provenha da “feru” (forma possível de pronunciar o termo “beru), palavra que em acádio significa “medida de tempo”. Se, como penso que está já sobejamente demonstrado, o povo que aqui foi conquistado pelos romanos, falava fenício, então pode tratar-se de uma composição entre as duas línguas: a lógica da ordenação dos dias da semana e a terminação “feira” vieram do falar popular, mas a sequência dos dias (de segunda a sexta) é latina.

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